Já faz muito tempo que não escrevo, tenho estado ocupada com muitas aulas e outras obrigações rotineiras. Cansada também estou.
Entretanto, outro dia pedi para os pais de um aluno virem até a escola para conversarmos um pouco. Ele anda muito desatento, brinca bastante e não produz nada. Por mais que eu tivesse tentado conversar com ele, não houve nenhuma mudança. Enfim, os pais foram à escola meia hora depois do telefonema, conversaram muito tranquilamente comigo e se foram.
Hoje, o aluno me disse, logo que entrei, que iria fazer tudo hoje e etc. Como ele sempre diz isso e nunca cumpre, eu concordei com um “Que bom, querido”, descrente.
Ele não fez toooda a tarefa – fez boa parte. Ótimo. Enquanto eu recolhia meu material para trocar de sala, ele vira para mim e diz:
“Obrigado por não desistir de mim, professora!”
Do que mais eu preciso? Fez todo sentido a escolha desta profissão.
“De nada, meu amor. Eu é que agradeço.”

Como seria minha escola ideal? Coloquei um post sobre isso, entretanto, eu mesma não escrevi.

Estou trabalhando este assunto com os alunos e estabelecemos algumas coisas: o objetivo da escola, a questão do tempo (horários), a maneira como as aulas são trabalhadas e a organização do prédio, da estrutura física. Vou tomar essas mesmas bases para meu texto. Gostaria também que todas as críticas fossem colocadas, quais problemas poderiam aparecer nesta escola, questionamentos etc.

Devo deixar claro que tudo o que está sendo escrito é somente minha opinião. Não sei dizer qual é o embasamento teórico para tudo isso… Provavelmente, há teorias que vão contra e que vão a favor do que penso. Ainda assim, este é um texto somente para sonharmos…

O objetivo da escola é a transformação do ser humano. A escola deveria ser o lugar onde as pessoas conseguem ter uma outra visão do mundo, conseguindo atuar melhor nele. Seres humanos capazes de questionar e transformar não só o seu próprio ambiente, mas capazes também de transformarem a si mesmos. O conhecimento não seria somente sobre o mundo externo, mas sobre o mundo interno também. Cidadãos conscientes de seus papéis, de sua força, de sua humanidade. A escola os ajudaria a tirar a venda que a falta de conhecimento impõe. Por isso, a escola tem que ser um lugar para se desenvolver as questões dos valores humanos – como diz Sai Baba: amor, paz, verdade, ação correta e não-violência.

Escola transformadora é escola em tempo integral. Como entender tudo, passar diversas experiências, aprender a estudar, desenvolver habilidades artísticas, esportistas, técnicas, se são somente 4 horas na escola? A escola em tempo integral não serviria somente para dar o que comer e tirar as crianças da rua, mas para dar a eles uma vivência mais completa do que ficar em casa vendo TV e jogando vídeo game. As aulas começariam às 7h30; às 9h, haveria um intervalo de meia hora; depois, ficariam até às 11h, onde haveria mais um intervalo de meia hora. As aulas da manhã se encerrariam às 12h30. Entre 12h30 e 14h, os alunos ficariam livres para almoçar, descansar, fazer o que bem entendesse. Às 14h, as aulas voltariam. Mas as aulas da tarde não seriam como as da manhã: atividades ligadas às artes, ao esporte, a projetos científicos; rodas de leitura, teatro, grupos de estudo e atividades afins.

Ainda não estou certa do modo como as aulas seriam trabalhadas: hora expositivas, hora em atividades grupais; ao invés de somente ficarmos falando, poderíamos, assim como eu vi num cursinho daqui de Ribeirão, colocar perguntas disparadoras em que os alunos buscassem as respostas. É certo que as salas seriam pequenas: 20 a 25 alunos no máximo, o que possibilita trabalharmos em roda, montar grupos pequenos, duplas menos barulhentas. Provocar os alunos de modo que eles não sossegassem enquanto não descobrissem as respostas aos seus questionamentos. Acho que o impossível é escolher somente um método e segui-lo para sempre. Projetos são tão importantes quanto as aulas expositivas, procurar as respostas podem trazer outra visão do conhecimento tanto quanto escutar alguns especialistas – como o professor. As aulas seriam um universo de possibilidades relacionadas ao conhecimento.

A escola tem que ser grande. Não sei se com muitos alunos, mas ter um espaço físico bacana: muitas árvores, muita planta, quadras poliesportivas, auditório, laboratórios, biblioteca grande e decente, refeitório, sala de vídeo, sala de computador, horta, pomar, etc. Entre tudo isso, entretanto, o principal é a sala ambiente. A sala ambiente, por mais facilitadora do “passeio” dos alunos (e os inspetores odeiam), é fundamental para um trabalho personalizado, individual, em que o professor consegue propiciar todas (ou quase todas) as ferramentas para um ensino melhor. Adoro sala ambiente, não consigo ser convencida por nenhum outro argumento…. Acho também que os professores poderiam ter uma sala melhor. A sala dos professores, além da tradicional mesa para o café, ops!, para reuniões, deveria ser grande o suficiente para que cada um tivesse sua própria mesa, um armário digno e uma estante particular de livros. Como trabalharíamos tempo integral na escola, seriam poucos professores, o que não torna o espaço impossível.

Nesta escola, os pais não seriam aqueles que entregam seus filhos na entrada e buscam na saída. Os pais seriam os parceiros, os amigos. Pessoas que acreditam neste lugar e que participam desta construção, do modo como podem, mas ajudando a fazer a escola dar certo. Ao invés de pessoas trabalhando sozinhas, seria um grupo trabalhando junto pelo mesmo objetivo. Aí, posso incluir também direção, coordenação, pais e professores.

Existem muitas ideias, mas acho que, por enquanto, estas são suficientes.

 

Nossa, olhando para esta escola ideal percebo como algumas coisas estão distantes… provavelmente, por mais que eu lute, acho que vou morrer sem vê-la… Mesmo assim, não custa nada sonhar, não é? Vai que alguém escuta e consegue realizar algo assim?

Este bimestre estamos estudando em Língua Inglesa os nomes de alguns alimentos. Na primeira aula do assunto, apresentei o tema, perguntei sobre a comida preferida de cada um, o que era saudável e o que não era. Depois, fomos para o livro, onde havia um diálogo com a família indo ao supermercado.

A aula seguinte foi diferente. Achei que, ao trabalhar de modo mais “concreto”, talvez o conteúdo fosse melhor compreendido. A ideia inicial era que os alunos preparassem uma receita e, em seguida, fizéssemos um piquenique. Pedi para que cada um trouxesse um alimento para a aula seguinte, de pereferência, alimentos saudáveis.

Ontem foi o grande dia. Levei várias frutas para uma salada de frutas; qiejo, cenoura e alface para um sanduiche; bolo; biscoitos e suco. Os aluno trouxeram frutas, pipoca, vitamina (feita por eles mesmos), bolachas.

A ideia da receita foi por água abaixo quando me dei conta de que eles não podem manusear facas. Ainda assim, eles foram extremamente cooperativos, ajudando em tudo o que era possível.

As garotas que trouxeram a vitamina não só a prepararam como também foram procurar os nomes dos ingredientes em inglês! Isso não é lindo? O momento do intervalo, geralmente inegociável, foi adiado para depois do piquenique.

Estendemos duas enormes toalhas na grama, colocamos todas as comidas. Não só os alunos sentaram-se e entraram na brincadeira, mas também a diretora, o coordenador, a professora de História e a secretária. Todo mundo integrado e feliz.

Mostrei a eles como se dizia o nome de cada alimento e estabelecemos a brincadeira de que só de comeria aquilo que falássemos em inglês. Todos, inclusive os adlutos, fizeram seus “pedidos” em Inglês! Isto não é gratificante?

Ao voltarmos para a sala, ainda faltavam vinte minutos para a saída. Como é uma turma muito agitada, imaginei que seria difícil contê-los. Eles me supreenderam: acalmaram-se e, ainda, queriam começar ali mesmo a lição pedida para casa – elaborar um cardápio todo em inglês. Ao invés de distraídos e desmotivados, estavam envolvidos e discutiam entre si como o fariam, procurando palavras e modos de fazer um trabalho bonito.

As fotos serão postadas posteriormente porque estão na escola, mas, ainda assim, não é um momento muito legal?

Tenho uma sala de 5a série que é muito agitada. Sempre temos que pedir para que falem menos, para que se sentem, para prestar atenção e etc. Ultimamente, eles andam muito violentos. Sempre estão brincando de lutinha e, obviamente, acabam brigando de verdade.

É uma sala bem heterogênea. Temos três inclusões diferentes. Um tem problemas psicológicos mentais graves (do tipo que não bate bem mesmo, louco), ele é completamente analfabeto e, dizem, nunca vai conseguir aprender (eu discordo, mas não sei como alfabetizá-lo). Outra tem uma leve dificuldade cognitiva, mas é calma, tranqüila e produz muito. A terceira inclusão é de uma aluna que a mãe fala que ela não enxerga direito, mas tenho minhas dúvidas porque ela nunca reclamou de nada (por mais que a gente pergunte).

Vários alunos tem muita dificuldade em Língua Portuguesa: escrevem muito mal, não conseguem compreender bem o texto, dificilmente conseguem ficar sentados na cadeira.

Tudo bem, vou chegar ao ponto!

Ontem, eu entrei na sala e, pra variar, eles estavam todos de pé e alguns, brigando. Como sempre, esperei na porta até que todos estivessem sentados e mais tranquilos. No momento em que eu coloquei meu material na mesa e me voltei para a sala, já estavam todos agitados e, novamente, alguns estavam brincando de brigar. Ali, eu percebi que a aula não iria rolar: eles estavam agitados demais. Resolvi conversar com eles sobre paz e amor (sem a pieguice que virou o termo).

Falei que eu sabia que alguns conviviam em um ambiente violento: eu sabia que alguns nunca eram abraçados, nunca eram elogiados, mas sempre xingados e, muitas vezes, agredidos. Também disse como fica difícil não ser violento com tantas ofensas em casa e na escola. Perguntei se alguém gostava quando era ofendido e os questionei sobre o direito de fazer o mesmo. Disse-lhes que eu não podia ir até a casa de cada um resolver os problemas familiares, mas que eu estou sempre na escola e eles podem contar comigo todo o tempo, seja com conversas, seja com carinho, palavras de incentivo, abraços.

Então, resolvi propor um desafio: ficar 24 horas sem arrumar brigas, ser mal-educado, ofender ou falar palavras feias. Apertei a mão dos 40, como prova de que aquilo era um trato.

“Mas… e se alguém me ofender, professora?”, um me perguntou.

“Você fecha os olhos, respira fundo e pensa no amor!”, respondi, ingenuamente.

“Amor – tadela, professora?”, riu o colega.

“Sim, pode ser. Você respira fundo e diz ‘Amor tadela’, o que acham?”, resolvi entrar na brincadeira.

Naquele momento, eles ficaram muito felizes, repetindo “amortadela” (houve vários amortandela, mas não era momento para correções). Um deles até inventou um sinal para a palavra: batendo com a mão no peito duas vezes e mostrando o sinal de paz e amor com os dedos. Foi divertidíssimo. Avisei que ninguém precisa se martirizar caso não conseguisse, o importante era tentar e ver o que era possível. Disse que acreditava no potencial de cada um, todos eram capazes e etc. Quando bateu o sinal, todos vieram me dar um beijo antes de sair, muitos me abraçaram e disseram que queriam cafuné, como bebês que sentem a falta da mãe.

Eu sabia que seria difícil e sei que eles não mudam do dia para a noite.

Ao chegar na porta da sala, eles estavam todos de pé, alguns brigando e xingando, a mesma coisa. A mesma coisa? Não, alguma coisa estava diferente. Perguntei se eles haviam conseguido e muitos deles me disseram honestamente que não: era muito difícil; só tinha conseguido ontem; parece que só por causa da aposta, todo mundo tinha provocado mais. Ainda assim, eles me pareceram muito felizes. Muito mesmo. Todos estavam preocupados com a AMORtadela.

Durante a aula, um dos maiores provocadores, briguento, daqueles que passeiam e não fazem nada, estava sentado quieto em sua carteira. O bonitinho piradinho (sem preconceitos mesmo) levantou-se e me disse:

– Ô tia! O amigo tá passando mal!

– Não tô passando mal não!!!! Eu só estou quieto, assistindo aula! Não pode?

Talvez não faça sentido para a maioria. Nem mesmo para este lindinho que tem uma vida muuuuuito sofrida. Mas somente o fato de que, um dia, este AMORtadela tenha funcionado já dá sentido ao “ser professor”, não dá?

Sou Sofia,

Sou um ser vivo,

um ser humano,

um ser professor.

Sou um ser professor de Línguas Portuguesa, Inglesa, e (anteriormente) Espanhola.

Meu habitat natural é a sala de aula. A escola pública é onde sou um ser professor de Língua Portuguesa. A escola da associação é onde sou um ser professor de Língua Inglesa e de Produção Textual.

Estou um ser estudante também. Além do curso de Letras, agora resolvi ser um ser estudante de Pedagogia e entender melhor meu habitat natural.

Como qualquer animal em seu próprio lugar, busco soluções não somente para sobreviver, mas para viver. Não só para mim mesma e, sim, para todos os que vivem neste meio ambiente.

As amostras de contribuições significativas ainda não apareceram, pois faz apenas 5 anos que “nasci” neste lugar.

Entretanto, a sede de compreensão parece me ser inerente, pois é anterior ao ser professor. Luto para que eu nunca me sinta saciada ou para que eu não morra de sede…