Mais uma vez estou aqui para reclamar… final de bimestre…

Para ser muito honesta, se tem algo que detesto fazer é aplicar e corrigir prova. Não pelo trabalho que dá ao elaborá-las e corrigi-las, mas ao me defrontar com a amarga realidade: o que estamos fazendo em sala de aula? Tenho a impressão de não estar fazendo nada.

Estou corrigindo as avaliações das 5as séries da escola municipal. Como é difícil perceber que pouco – ou nada – conseguimos ensinar. Fico me questionando o que todos nós estamos fazendo lá… É verdade, porque não adianta você ser um professor esforçado… é preciso muito mais do que isso.

Vejam só: as 5as séries possuem 42 alunos, em média, por sala. Deste, somente cinco estão bem alfabetizados, sem problemas sérios de ortografia e compreensão de texto. Os outros trinta e poucos tem muitos problemas. Muitos mal conseguem escrever. Que dirá daqueles que ainda não sabem… É muito difícil perceber que não há como ensinar. O que eu faço? Não fui preparada para trabalhar com essa faixa de aprendizado. No curso de Letras, a formação é para professores de 5a série a 3o colegial. Levando-se em conta que me formei em Universidade pública, imagine as particulares.

Devo voltar? Devo ensinar tudo de novo, desde o começo? Como dar atenção a cada um, se estas são, justamente, as salas em que, se você bobear, estão todos de pé, fazendo bagunça? Juro que eles me respeitam e não fazem muita “zona” comigo… Ainda assim, quando começo a corrigir as avaliações percebo como toda a minha dedicação e meu tempo foram gastos em vão.

Não adianta dizer o contrário. É lindo dizer que pelo menos alguns nós atingimos. Sim, aqueles que não precisam muito de nós. Aqueles que vão bem na prova são exatamente os que menos precisam de professores. Entretanto, os mais prejudicados são sempre os mais bagunceiros, os mais tímidos e que menos sabem. Muitos sequer entendem o que falamos em sala….

Hoje, infelizmente, estou aqui para reclamar… Não gosto disso, mas preciso desabafar minha decepção mais uma vez. Se eu estivesse ali somente para receber meu salário, se minha postura fosse um pouco mais indiferente, talvez me doesse menos. Todavia, esta – de longe – não seria eu mesma.

Até quando vamos permitir que as escolas tenham esta estrutura absurda? Até quando vamos permitir que um aluno saia da nossa sala sem ter aprendido o mínino necessário? Quando é que as pessoas vão começar a entender toda a manipulação existente para que a educação sempre seja falha? Por que somos tão desunidos, se o propósito é tão verdadeiro?

Já faz muito tempo que não escrevo, tenho estado ocupada com muitas aulas e outras obrigações rotineiras. Cansada também estou.
Entretanto, outro dia pedi para os pais de um aluno virem até a escola para conversarmos um pouco. Ele anda muito desatento, brinca bastante e não produz nada. Por mais que eu tivesse tentado conversar com ele, não houve nenhuma mudança. Enfim, os pais foram à escola meia hora depois do telefonema, conversaram muito tranquilamente comigo e se foram.
Hoje, o aluno me disse, logo que entrei, que iria fazer tudo hoje e etc. Como ele sempre diz isso e nunca cumpre, eu concordei com um “Que bom, querido”, descrente.
Ele não fez toooda a tarefa – fez boa parte. Ótimo. Enquanto eu recolhia meu material para trocar de sala, ele vira para mim e diz:
“Obrigado por não desistir de mim, professora!”
Do que mais eu preciso? Fez todo sentido a escolha desta profissão.
“De nada, meu amor. Eu é que agradeço.”

Segue abaixo o bilhete enviado por mim e a resposta dada pela mãe

Meu bilhete

“Sr. Responsável:

O aluno fez apenas uma lição durante todo o ano. Isso o prejudica muito.

Obrigada, Professora”

A resposta da mãe

Prezada Professora,

Eu lamento muito a postura de meu filho. Realmente é vergonhosa. Mas infelizmente ele não se interessa pelos estudos. Já  levei à psicóloga, psicopedagoga e nenhum problema cognitivo foi identificado. Já usei todos os argumentos possíveis (desde pancada até suborno), mas não há nada que o convença da importância dos estudos.

Há 6 anos vou às reuniões da escola ouvir a mesma coisa: Seu filho não faz nada.

A senhora deve achar um descaso eu não ter tomado nenhuma providência mesmo vendo seus cadernos em branco.

Mas o motivo é porque eu desisti de brigar com ele, desisti de gritar, de xingar.

Vou cumprir meu papel de mãe, educando-o, mostrando o caminho da ética e da responsabilidade. Irei obrigá-lo a concluir seus estudos até o 3o colegial e só.

O Fulano sabe exatamente onde os estudos pode levá-lo. Mas parece que ele não se importa.

Então proponho que façamos (nós 2) a nossa parte e deixemos que a vida mostre para ele no futuro, a oportunidade que ele perdeu.

Caso a senhora note algum desvio de comportamento, ou ele falte com o respeito com algum professor, quero ser notificada. Pois isso não permitirei.

Mas quanto aos estudos, vou lhe dar um conselho: não perca tempo com meu filho. Invista seu precioso tempo em crianças que mereçam seu esforço.

Um forte abraço,

Mãe

Sei que talvez não seja correto eu colocar o bilhete aqui, entretanto, me entristece muito algo assim – eu tinha que trazer para mostrar do que eu estava falando.

Não consigo acusar a mãe de nada, ao contrário, ela é muito corajosa em assumir até onde pode ir. Mas, se pararmos pra pensar, novamente, não é responsabilidade só da mãe. A sociedade que estamos construindo é essa: não há valorização do conhecimento, só há busca de dinheiro e fama, só há a preocupação com o fútil. Como queremos que nossos filhos sejam diferente disso?

Uma escola mais motivadora, na maioria das cidades, é particular. Quantas escolas públicas conseguem desenvolver o gosto pelo saber? Mesmo a maioria das particulares também não conseguem atingir esse nível. Que culpa essa mãe tem de não poder mudar a criança para uma escola em que, talvez, seu filha se sinta mais motivado?

Sim, eu sei. Tem muita coisa envolvida. Não sei como são as coisas neste lar e não conheço a mãe pessoalmente. Mas dá para perceber muitas coisas em seu bilhete: é estudada (pois escreve bem), tem consciência, preocupa-se com o caráter, o filho é um doce. Ela só deve estar tão perdida quanto nós estamos…

Amanhã mandarei um bilhete pedindo para que ela vá à escola. Tomara que dê certo, pois, com certeza, o filho dela merece tanto quanto as outras crianças.

Na semana passada, escrevi para todos pais cujos filhos não estavam participando da aula. Os “bilhetes” não eram broncas. Neles, eu apenas dizia que os filhos precisavam participar mais das aulas, fazer as tarefas de casa, etc.

Hoje, os cadernos vieram assinados. A maioria só tinha assinatura dos responsáveis, mas um em particular me chamou a atenção.

O garoto é uma graça. Um menininho fofo e inteligente que não consegue ficar na carteira. Ele é esperto, sabe ler e escrever. Não é o caso daqueles gênios que se desinteressam porque o conteúdo é fácil. Ele simplesmente se desinteressa e resolve jogar papéis nos outros, falar besteiras quando estamos respondendo oralmente e não fazer nada quando estamos trabalhando com livro ou caderno. O fofo nunca me desrespeitou nem me ofendeu, mas não dá conta das aulas. Os outros professores também reclamam.

Quando entrei na sala, ele me trouxe o caderno e lá estava uma folha inteira escrita pela mãe. Na primeira página, ela dizia que já o tinha levado a médicos, psicólogos, pedagogos e não descobriram nenhum problema cognitivo. Também dizia que desde pequeno todas as professoras reclamavam dele. No fim da página, ela diz que precisa da minha ajuda, porque não sabe o que fazer. Ao virar a folha e ler a segunda página, me surpreendi. Ela pedia para que eu deixasse de me preocupar com ele e me dedicasse ao resto da turma, porque até ela já tinha desistido. A mãe afirmava que não admitiria problemas dele com falta de respeito, mas quanto ao interesse não havia mais nada o que fazer.

Chocada, perguntei se ele havia lido o bilhete e ele me diz que sim. O rosto dele estava péssimo. Imagina… até sua mãe desistiu de você, quem não estaria?

Durante a aula, ele foi o mesmo. Mesmo chateado, ele ainda não tem a capacidade de enfrentar a situação e dizer “vou mostrar a todos que sou capaz, provar que estão errados a meu respeito”. O que fazer? Eu disse a ele que não desitiria dele e fiz vários elogios plausíveis a seu respeito, pontuando as dificuldades, mas não enfatizando-as.

Não quero julgar a mãe. Não sei como é a vida dela, não sei que tipo de pessoa é, não a conheço. Só tenho certeza de que, ao chegar neste ponto, alguma coisa está muito errada e as soluções precisariam aparecer. Entretanto, como buscar um caminho que ajude esta criança e como dizer a esta mãe que ela não poderia desistir?

Se aumentarmos o foco, percebemos que talvez ela não seja a única que tenha desistido do próprio filho. O professor lida com várias crianças que a mãe desistiu. Como, então, manter a motivação e a crença? Acho que falta este elo entre pais e escola, o qual poderia fazer diferença antes que todos desistissem e a sala se tornasse o reflexo do abandono geral.

Sofia Amorim